segunda-feira, 9 de dezembro de 2002

Sábado - A Casa de Bonecas

Minha casa se transformou no Hopi Hari.

Aniversário da Nana. Seis anos.

Minha irmã faz a festa pras crianças mas não se incomoda nem um pouco se as amigas dela ficarem comentando depois que foi a festa mais linda que já viram na vida! É, ela é um pouco... megalomaníaca, eu diria. Um pouco "de grife" demais pro meu gosto. Acaba sendo fútil, não tem jeito. E eu não entendo. É uma mulher tão inteligente, tão bem sucedida, tão bem criada, tão esclarecida... E parece que não vê o mundo miserável que há em volta do seu castelo de ouro. Claro que eu gosto dela, é minha irmã. E claro que a festa foi uma delícia, e maravilhosa, e acho até que foi a festa mais linda que eu já vi na vida! Mas precisa? É só o que eu gostaria de saber... precisa? Não seria tão bom quanto se gastasse a metade e desse a metade em presentes de natal e comida pra crianças que não têm nada? Seria, sim, tão bom quanto. Pronto, é só essa a parte que eu não entendo. Eu admito que foi fantástico, mas é muito difícil pra mim aceitar esse mundo injusto de crianças que têm demais e crianças que têm de menos.

Isto posto... sim, eu me diverti muito.

E terminamos o dia à noite, no sofá, Nana, Duduzinho, Luca, Rafa, Peter, Marília e eu, contando história da Dona Alanha, do Trem, do Macaco Loco atrás da placa vermelha... e puxando a vovó Daysi pra nossa viagem. Até que a estraga-prazer-mor decidiu ir embora: "imediatamente". Mas tudo bem, um dia a gente manda a Dona Alanha prender ela na teia por uns dois meses.






Domingo - O Vale Encantado

Fui ver o Vale.



Pode ser

Que a gente se acostume a ficar só

Tente

Só que eu duvido muito

Quando a gente fica junto

O coração desfaz o nó



E bate palma pra entrar na brincadeira

E bate palma que é pra mão não ficar só

E bate como vai bater a vida inteira

O coração

Quando a gente se separa

Dá um nó




Sempre me encanta.

Mesmo com tanto desencanto.

Mesmo com tanto...



Desencanto foi ter ido sem ninguém

Desencanto foi encontrar quem encantava e não ter mais os diamantes nos olhos.

Desencanto foi encontrar quem eu amei tanto e ver que desamo a cada dia.

Desencanto é ouvir as coisas bobas que diz esse menino que foi tudo pra mim.

Desencanto é ter tanta certeza de que ele não é mais, nem tudo, nem um pouco.

Desencanto é ter de aceitar o desencanto.

Desencanto é não ter ninguém pra contar meus desencantos... e me encantar, de novo.




Quem é que nunca sentiu que o mundo é um gigante

e achou que era fraco, e se achou quase um rato

e que o gato era o mundo, um gigante malvado

e quem é que, coitado, n'olhava pra cima

esperando a porrada, o cacete, o esporro,

a mijada, a espora, o facão?



Quem é que nunca arregou, nunca teve paúra

e será que alguém jura que nunca tremeu de pavor,

de terror, de vertigem, de altura (oh! Que tava no chão!),

e quem é o machão que não teve a surpresa de ser humilhado

igual feio na festa e menino mijão?

Presta atenção!



Quem não perdeu a atenção dos seus pais,

quem não foi encarnado depois de uma queda

ou porque era vesgo ou porque era torto

ou se o avô já tá morto, se sente sozinho

ou porque é menorzinho ou porque é bobalhão,

é pereba ou otário?

E olha presta atenção!



Quem não levou uma surra, perdeu um horário,

quem é que jamais teve um sonho esmagado

ou sofreu uma ofensa do melhor amigo

e quem é que concorda comigo

esse mundo é um gigante

e a gente é anão?

a gente é anão!

Presta atenção.




E saio de lá só.

Saio do vale desencantada.

Mas existe qualquer coisa que ainda pulsa em mim, em alguém.

Existe o que tem que existir porque eu estou viva.

Hoje eu queria alguém pra dividir.

Uma boca no meu rosto sorrindo pra mim.

Hoje eu queria não o que eu quis, que podia ter, mas já não amo.

Saudade não me serve mais. Ilusão não me serve. O que já foi não tem volta.

Hoje eu quero o toque. A delicadeza do toque de quem ama de verdade.




Hoje eu quero a rua cheia de sorrisos francos

De rostos serenos, de palavras soltas

Eu quero a rua toda parecendo louca

com gente gritando e se abraçando ao sol

Hoje eu quero ver a bola da criança livre

quero ver os sonhos todos nas janelas

quero ver vocês andando por aí

Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse

Eu até desculpo o que você falou

eu quero ver meu coração no seu sorriso

e no olho da tarde a primeira luz

Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais alto

eu quero um carnaval no engarrafamento

e que dez mil estrelas vão riscando o céu

buscando a sua casa no amanhecer

Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada

rasgar a noite escura como um lampião

eu vou fazer seresta na sua calçada

eu vou fazer misérias no seu coração

Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua

pra escrever a música sem pretensão

eu quero que as buzinas toquem flauta-doce

e que triunfe a força da imaginação




Tem dias em que a gente não consegue enxergar o que há de lindo no mundo.

Tudo de lindo que está por perto, ao nosso redor, nos nossos espelhos.

Tem dias bem difíceis de passar. Que trazem outros dias difíceis.

Tem dias que são noites.




Quando vocês estiverem tristes, pensem em coisas lindas:

balas, travessuras, carinho, carrinho, beijo de mãe,

brincadeira de queimado, árvore de Natal,

árvore de jabuticaba, céu amarelo, bolas azuis,

risadas, colo de pai, história de avó...



Quando vocês forem grandes e acharem que a vida não é linda

pensem em coisas lindas.

Mas pensem com força, com muita força,

porque aí o céu vai ficar cheio de vacas gordas amarelas,

cachorro bonzinho, bruxa simpática,

sorvete de chocolate, caramelos e amigos

Vamos, vamos lá! Vamos pensar só em coisas lindas!

Brincar na chuva, boneca nova, boneca velha, bola grande,

mar verde, submarino amarelo, fruta molhada, banho de rio,

guerra de travesseiro, boneco de areia, princesas,

heróis, cavalos voadores...



Ih! Já tá anoitecendo no Vale Encantado!

Dorme em paz, minha criança querida

Vamos pensar em coisas lindas até amanhecer



Pode Ser, Canção do Gigante, Sem Mandamentos, Pensar em Coisas Lindas

- O Vale Encantado, Osvaldo Montenegro

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