quinta-feira, 30 de agosto de 2007

virou história

hoje me tocou
no rádio
uma saudade

já passou

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Água Viva
Clarice

Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.

Sei o que estou fazendo aqui: conto os instantes que pingam e são grossos de sangue.

Equilíbrio perigoso, o meu, perigo de morte de alma.

Nós - diante do escândalo da morte.

Vou parar um pouco porque sei que o Deus é o mundo. É o que existe.

Não gosto é quando pingam limão nas minhas profundezas
e fazem com que eu me contorça toda.
Os fatos da vida são o limão na ostra?
Será que a ostra dorme?

O que te escrevo não vem de manso, subindo aos poucos até um auge para depois ir morrendo de manso.
Não: o que te escrevo é de fogo como olhos em brasa.

Recebi uma carta de S. Paulo de pessoa que não conheço.
Carta derradeira de suicida. Telefonei para São Paulo.
O telefone não respondia, tocava e tocava e soava como num apartamento em silêncio.
Morreu ou não morreu. Hoje de manhã telefonei de novo: continuava a não responder.
Morreu, sim. Nunca esquecerei.

Agora - silêncio e leve espanto.
de repente não mais

é sempre assim
de repente
ainda que seja
repetido
o de repente
que nem é
de fato
surpresa
nem de novo
o mesmo
de sempre

não se espera
o que não se quer
se desespera
o querer
qualquer
esperado
sempre
porém nunca
desejado
de repente
é

sempre
de repente
finda
o que nem
ainda
havia se tornado
o repetido
esperado
da vida
alegre
de novo

e segue
embora
a gente
negue
a dor
velha
dos mesmos
erros
cachorros
em qualquer
língua

terça-feira, 21 de agosto de 2007

III
Fato: Acordei Do sEu Lado
Finalmente Arriscamos. Desejo, Excesso, Loucura.
Fizemos Amor, Doentes E Lancinantes.
Ficamos, Assim, Divagando Entre Lambidas.
Festejando A Demais Esperada Liberdade.
Farsa? Ah, Deus... Eu Lamento.
Foda? Ah, Deixa Escorrer Logo.
Finda? Ah, Duvido. Embora Longe.
Falece A Dor Enquanto Lançamos
Falas Agudas De Envolvimento Literário.
Falece A Dúvida Enquanto Ligamos
Fendas, Abraços, Dentes E Línguas.
Finalmente Amantes. Devidamente Entrelaçadas. Longes.

domingo, 12 de agosto de 2007

para não apagar

tua boca riscou
meu contorno

réptil
no corpo morno

quente
ardente
ausente

desenhei teus olhos
no grito

animal
do desejo em atrito

indecente
mente
sente

um gosto te encharca
a palavra

forte
na nuca me crava

o dente
inocente
demente

repete a pintura
do traço

canino
teu abraço

carente
doente
presente

sábado, 11 de agosto de 2007

Meca Clandestina

(...) E, devagarinho, tomou-lhe a mão.
As duas palmas um pouco úmidas, um pouco trêmulas, uniram-se.
A campainha, fora, tocou. Luísa desprendeu a mão, bruscamente.
- É alguém - disse agitada.
Vozes baixas falavam à cancela.
Basílio teve um movimento de ombros contrariado; foi buscar o chapéu.
- Vais-te? - exclamou ela toda desconsolada.
- Pudera! Não posso estar só contigo um momento!
A cancela fechou-se com ruído. Não é ninguém, foi-se - disse Luísa.
Estavam de pé, no meio da sala.
- Não te vás! Basílio!
Os seus olhos profundos tinham uma suplicação doce.

Basílio pousou o chapéu sobre o piano; mordia o bigode um pouco nervoso.
- E para que queres tu estar só comigo? - disse ela. - Que tem que venha gente?

E arrependeu-se logo daquelas palavras.
Mas Basílio, com um movimento brusco, passou-lhe o braço sobre os ombros,

prendeu-lhe a cabeça, e beijou-a na testa, nos olhos, nos cabelos, vorazmente.
Ela soltou-se a tremer, escarlate.
- Perdoa-me - exclamou ele logo, com um ímpeto apaixonado. - Perdoa-me.

Foi sem pensar. Mas é porque te adoro, Luísa!
Tomou-lhe as mãos com domínio, quase com direito.
- Não. Hás de ouvir. Desde o primeiro dia que te tornei a ver estou doido por ti,

como dantes, a mesma coisa. Nunca deixei de me morrer por ti. (...)


(...) e ele quis-lhe ensinar então a verdadeira maneira de beber champanhe.
Talvez ela não soubesse!
- Como é? - perguntou Luísa erguendo o copo.
- Não é com o copo! Horror! Ninguém que se preza bebe champanhe por um copo.

O copo é bom para o Colares...
Tomou um gole de champanhe e num beijo passou-o para a boca dela.

Luísa riu muito, achou "divino"; quis beber mais assim.
Ia-se fazendo vermelha, o olhar luzia-lhe.
Tinham tirado os pratos da cama; e sentada à beira do leito,

os seus pezinhos calçados numa meia cor-de-rosa pendiam,
agitavam-se, enquanto um pouco dobrada sobre si, os cotovelos sobre o regaço,
a cabecinha de lado, tinha em toda a sua pessoa a graça lânguida de uma pomba fatigada.
Basílio achava-a irresistível; quem diria que uma burguesinha podia ter tanto chique,

tanta queda? Ajoelhou-se, tomou-lhe os pezinhos entre as mãos, beijou-lhos;
depois, dizendo muito mal das ligas "tão feias, com fechos de metal",
beijou-lhe respeitosamente os joelhos; e então fez-lhe baixinho um pedido.
Ela corou, sorriu, dizia: "não! não!"
E quando saiu do seu delírio tapou o rosto com as mãos, toda escarlate;
murmurou repreensivamente:
- Oh, Basílio!
Ele torcia o bigode, muito satisfeito. Ensinara-lhe uma sensação nova; tinha-a na mão!
Só às seis horas se desprendeu dos seus braços.
Luísa fez-lhe jurar que havia de pensar nela toda a noite: - Não queria que ele saísse;
tinha ciúme do Grêmio, do ar, de tudo! E já no patamar voltava, beijava-o, louca, repetia:
- E amanhã mais cedo, sim? Para estarmos todo o dia.
- Não vais ver a D. Felicidade?
- Que me importa a D. Felicidade! Não me importa ninguém! Quero-te a ti! Só a ti!
- Ao meio-dia?
- Ao meio-dia!
Quanto lhe pesou à noite a solidão do seu quarto!

Tinha uma impaciência que a impelia a prolongar a excitação da tarde, agitar-se.
Ainda quis ler, mas bem depressa arremessou o livro;
as duas velas acesas sobre o toucador pareciam-lhe lúgubres;
foi ver a noite; estava tépida e serena.
Chamou Juliana (...)

O Primo Basílio, Eça de Queirós
Mentirinha

Olhe aqui, olhos de azeviche
Vamos acertar as contas
porque é no dia de hoje
que cê vai embora daqui...
Mas antes, por obséquio:
Quer me devolver o equilíbrio?
Quer me dizer por que cê sumiu?
Quer me devolver o sono meu doril?
Quer se tocar e botar meu marcapasso pra consertar?
Quer me deixar na minha?
Quer tirar a mão de dentro da minha calcinha?
Olhe aqui, olhos de azeviche:
Quer parar de torcer pro meu fim
dentro do meu próprio estádio?
Quer parar de saxdoer no meu próprio rádio?
Vem cá, não vai sair assim...
Antes, quer ter a delicadeza de colar meu espelho?
Assim: agora fica de joelhos
e comece a cuspir todos os meus beijos.
Isso. Agora recolhe!
Engole a farta coreografia destas línguas
Varre com a língua esses anseios
Não haverá mais filho
pulsações e instintos animais.
Hoje eu me suicido ingerindo
sete caixas de anticoncepcionais.
Trata-se de um despejo
Dedetize essa chateação que a gente chamou de desejo.
Pronto: última revista
Leve também essa bobagem
que você chamou
de amor à primeira vista.
Olhos de azeviche, vem cá:
Apague esse gosto de pescoço da minha boca!
E leve esses presentes que você me deu:
essa cara de pau, essa textura de verniz.
Tire também esse sentimento de penetração
esse modo com que você me quis
esses ensaios de idas e voltas
essa esfregação
esse bob wilson erotizado
que a gente chamou de tesão.
Pronto. Olhos de azeviche, pode partir!
Estou calma. Quero ficar sozinha
eu co'a minha alma. Agora pode ir.
Gente! Cadê minha alma que estava aqui?


Texto para uma separação, Elisa Lucinda

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A Arte de Perder
(from my beloved teacher of poetry)

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

Elizabeth Bishop, One art

terça-feira, 7 de agosto de 2007

cort-a-zar

o punhal ficara morno junto a seu peito,
e debaixo batia a liberdade escondida.

ela, então, meteu-lhe o punhal no estômago,
aquele mesmo estômago que dóia quando se falavam,
e acabou com a tortura, assim, de uma vez,
com um punhal sangrando a alma e a clandestinidade.
cortou-lhe
da vida.

o punhal ficara morno junto a seu peito,
e debaixo batia a liberdade, escondida.
Your never gonna break my Faith
Bobby's soundtrack

domingo, 5 de agosto de 2007

Pequenos Milagres
(...)
Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave,
surda-muda, foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça
(...)
Adelia

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Nãos

Faz frio
Faz calor
Chove
Não chove
Não há vento
Nem sol
Nem céu
Nem noite
Nem manhã
Nem dia

Há nãos e determinações
Escolhas opostas e desinteresse
Há escuridão de manhã
Cansaço no fim da claridade
Há saudade de nada e de tudo

Há nãos e decisões contrárias
Vontades arbitrárias e medos
Há escuridão de manhã
Cansaço no fim da tarde
Há saudade de tudo e de nada

Faz tempo
Faz espaço
Sonhe
Não sonhe
Não há alento
Nem ar
Nem chão
Nem hoje
Nem amanhã
Nem havia