segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Água Viva
Clarice

Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.

Sei o que estou fazendo aqui: conto os instantes que pingam e são grossos de sangue.

Equilíbrio perigoso, o meu, perigo de morte de alma.

Nós - diante do escândalo da morte.

Vou parar um pouco porque sei que o Deus é o mundo. É o que existe.

Não gosto é quando pingam limão nas minhas profundezas
e fazem com que eu me contorça toda.
Os fatos da vida são o limão na ostra?
Será que a ostra dorme?

O que te escrevo não vem de manso, subindo aos poucos até um auge para depois ir morrendo de manso.
Não: o que te escrevo é de fogo como olhos em brasa.

Recebi uma carta de S. Paulo de pessoa que não conheço.
Carta derradeira de suicida. Telefonei para São Paulo.
O telefone não respondia, tocava e tocava e soava como num apartamento em silêncio.
Morreu ou não morreu. Hoje de manhã telefonei de novo: continuava a não responder.
Morreu, sim. Nunca esquecerei.

Agora - silêncio e leve espanto.

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