sábado, 29 de dezembro de 2007

Simples

E como se a gente, simplesmente, já não pensasse o suficiente sobre tudo, o pensamento quer se expor. Só que tudo já foi dito, então vira uma coisa que não serve mais pra nada. A não ser para aliviar a cabeça do pensante. E alguém escreve, e alguém lê, ou não, e não importa. É que é preciso tirar isso de dentro de cabeça. Já dizia Raquel, a de Queiroz, eu nem gosto de escrever, mas preciso tirar essa coisa da minha cabeça. Fica doendo, querendo sair.

Desta vez eu acho que não vou saber dizer o que é. Mas tem tamanho e forma porque eu sinto alojado no cérebro. Quer sair, mas eu não sei. É mais de uma coisa. Eu as sei, mas... Vou ficar aqui falando falando e não vou conseguir dizer nada. Tempo perdido. Puro.

São umas coisas misturadas que não querem ficar lá dentro. Nem eu quero que fiquem, me atazanando. Mas faz o quê? Tem um pouco de querer saber se naquele dia foi legal, se eu estive lá passeando no dia seguinte, se vai tocar de novo aquele tango. Tem um pouco do que aquele cara contou, da pergunta, da resposta estranha, da dúvida. Tem um pouco também daquela novidade na foto que passamos na tv. Um rosto sem história. E tem ainda dessa lembrança, dessa criança, que eu nem sabia que tinha idade pra lembrar de ninguém. Mas, tia... se você disser que EU estou aqui, pode ajudar, cê não acha? Ah, e tem essa sensação do tempo, que passa e fim.

(Continua...)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

o salto
(antonio prata)

A gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato -- pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente -- você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas.

Passos improvisados de tango e risadas, no corredor do meu apartamento. Uma festa cheia de amigos queridos, celebrando alguma coisa que não saberemos direito o que é, mas que deve ser celebrada. Abraços, borrachudos, a primeira visão de seu necessaire (para que tanto creme, meu Deus?!), respirações ofegantes, camarões, cafunés, banhos de mar – você me agarrando com as pernas e tapando o nariz, enquanto subimos e descemos com as ondas -- mãos dadas no cinema, uma poltrona verde e gorda comprada num antiquário, um tatu bola na grama de um sítio, algumas cidades domesticadas sob nossos pés, postais pregados com tachinhas no mural da cozinha e garrafas vazias num canto da área de serviço. Então, numa manhã, enquanto leio o jornal, te verei escovando os dentes e andando pela casa, dessa maneira aplicada e displicente que você tem de escovar os dentes e andar ao mesmo tempo e saberei, com a grandiosa certeza que surge das pequenas descobertas, que sou feliz.

Talvez, céus nublados e pancadas esparsas nos esperem mais adiante. Silêncios onde deveria haver palavras, palavras onde poderia haver carinho, batidas de frente, gritos até. Depois faremos as pazes. Ou não?

Tudo que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos. Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte -- quem sabe, dê certo? Não é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo -- o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão --, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Carta para o Papai-Noel
ou Um bilhete colocado em silêncio por baixo da porta do quarto azul

Neste natal, o primeiro sem presente, eu quero lhe contar o que há em mim de contente.
Eu sou criança, por isso ainda acredito em você.
Não, não é isso. Isso foi só um adendo.
Como eu ia dizendo, bem...
Também pode ser que você já saiba.
Pode ser até que não caiba, mas vou lhe dizer mesmo assim.

Eu não fui uma menina ruim. Fui legal durante o ano. Me comportei.
Fui melhor do que antes. E aí é que estão as coisas importantes: eu mudei.
Você sabe, eu já vinha mudando. Mas quero lhe contar que funcionou, que agora tô aproveitando.
E você me ajudou. Assim... porque se a gente não é bom, o Papai-Noel não vem.
E eu sempre quis que você viesse. Mesmo de fininho, do jeito que acontece...

Hoje eu tô vendo certinho, como o seu caminho me guiou.
Seu carinho me ensinou a ser mais branda.
Aprendi que não importa quem comanda, contanto que seja em paz.
Ninguém precisa mandar demais. No final o objetivo é o mesmo, e a gente já sabia:
felicidade todo dia e no ano que vai chegar.
Ai, chega de devagar.
Mas devagar a gente chega e era isso que eu queria contar.

É um pouco triste quando a gente desiste. De acreditar.
Quando a gente se dá conta de que o conto de fada, com a bela amada, termina, assim, sem segunda chance.
Prepara a gente pra um outro romance, mesmo se a gente quisesse que fosse natal todo dia.
Mesmo se a gente quisesse aquela alegria, aquela, que só o Noel traz.
E quando a gente descobre, a fumaça cobre a chaminé. E vem a fase do tantofaz.
Você não acha que é crueldade, que é coisa das bruxas más,
a gente, nessa idade, ser deixada pra trás?? Ter de seguir sozinha, sem colo, sem naninha?
Você não acha, Papai-Noel? Que a nossa vidinha gostosa devia estar sempre lá?

Tá bom, não precisa explicar. Eu já compreendi.
E não quero falar de coisa triste, não tem nada triste aqui.
Comecei contente, lembra? E nem é um jogo, não. É de coração.
Não sei se fiz bem essa emenda, mas, se fosse uma canção...
seria um dia, então.
25 de dezembro, não.
1º de julho.

Bom, eu queria dizer que já joguei fora o entulho, pra você poder entrar.
Mesmo sabendo que esse ano cê não vem. E que talvez nem venha mais, pra variar.
É que eu já sei tudo sobre você e você já sabe tudo de mim,
e parece que a vida é assim: a gente se desinteressa.
Pelo menos não tenho mais pressa. E essa eu devo a você. À sua paciência.
Nem sei se a essência é o natal, o amor, o invisível.
Mas o que me sobra é real: seu efeito em mim foi in-crível.
(Embora eu creia, ainda, em você.)

Tenho vivido a história ao contrário. Quero contar isso pra terminar.
Tenho estado em seu lugar, não é hilário? Quem poderia imaginar?
Não vou tentar descrever situações, pormenorizando os detalhes.
Mas sei que você sabe, aos milhares, o que eu devo estar tentando dizer.
Ficamos assim, por nos entender, inteindeindo.

Caio da chaminé todo dia quase, está doendo pensar que você já caiu tanto.
Mas volto, sem pranto, ao contente. Porque é caindo que se aprende.
(Se arrepende. Se reacende. Se rende. Se vende. Se ofende. Se defende. Depende.)

Estou feliz, embora sem presente.
Com cada cicatriz, com cada semente.

Obrigada, Papai-Noel. Eu só queria lhe contar.
O importante é tocar. Em frente.

(ah, a música... poderia não ser um dia, mas um estado: este! Tocando em frente.)

sábado, 22 de dezembro de 2007

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Natal

por que será
que quando a gente relê
o que um dia foi
parece que volta a ser
sem ser
e parece que dói de novo
sem doer?

e parece que dói de novo
até morrer?

e parece que dói de novo
e dói de novo
e dói.

por que será que a gente relê?
pra que serve reler?

é natal?

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

mais micros
CHICLETE BOTÃO FORMADEGELO ALGODÃO
PORCO MEL JEANS PEDRA CHUVA NARIZ PORTA
DESOBEDIENTE

- Alô, doutora Simone?
Ai, sabe, a coroa caiu...

BOTÕES
- Fecha a camisa, engole essa rosa,
chama logo esse elevador e se manda!

FÔRMINHAS
- Quem pegou os peixinhos congelados?
- As crianças colocaram no suco.

SUAVIDADE NO BORDEL
- E aí, essas putas dão tudo?
- Tudo não, mas algo dão.

DESTINO
Ele nasceu rosa, cresceu, engordô.
O pai pegô o facão e... oinc!

ENCANTADORA DE ABELHAS
Tentei imitar Edgie Threadgoode.
Morri melada com 412 picadas.

A PRIMEIRA VEZ
Ainda se usava ser virgem
quando ela tirou a calça Lee.

PEDRA
Chutei e fui.

FALTA DE FÉ
Foram à missa rezar para chover,
mas não levaram o guarda-chuva.

PÂNICO
Taxa de natalidade dispara no Líbano.
Falta ar.

FUGA FRUSTRADA
Quando a morte bateu em minha porta,
fugi pela janela. Eu morava no 18º.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

É que a viagem certa não existe mais.
Daí tanto faz.