domingo, 25 de dezembro de 2005

papai noel
vê se você tem
a felicidade
pra você me dar

eu pensei que todo mundo
fosse filho de papai noel

já faz tempo que eu pedi
mas o meu papai noel não vem
com certeza já morreu
ou então felicidade é brinquedo que não tem
Da série "Recordar é viver"

Novembro de 2003

Que será?
Que será isso de dia, noite, luz, escuridão?
Que será?

Que será que me acorda, me faz dormir, me dá fome, me dá raiva, que será?
Que será isso de amar e desamar e nem saber se ama ou se desama de amar...?
Que será isso de se-querer e não se-poder? Não se-poder não porque não se-é-permitido - ainda que também não se-seja - mas não se-poder de não-se-conseguir, não-se-suportar, não-se-entender-mais... Que será?

Que será isso de sentir e não saber, e saber que sente mas não saber sentir?
Que será essa areia movediça?
Será desenho animado?
Ou será desenho desanimado? Borrão, sujeira, tinta preta... que será?

Que será isso que é à revelia das vontades?
Uma vontade contra a vontade. Uma desvontade de querer querer.
Mas que será que se quer? Que será esse querer sem saber querer?

Que será que é palco, que será que é vida, que será que é tempo?
Que será preciso pra precisar?
Que será preciso pra esperar?

Que será que falta? Ou que nunca vai completar?
Que será de tudo que não será?

Sera Sera Serador.

sábado, 24 de dezembro de 2005

Noite infeliz...
Noite infeliz...

Ó Senhor,
Deus de amor...

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Curtas

Passarinhas
Não há passarinho, ela disse.
Não há passarinho no ar.
De repente eles todos ficaram no chão.
A gente perdeu o olhar.
Caiu, se espatifou.
Não há passarinho.
Passou.

Saias
As pernas de fora
O vazio de dentro
A demora
As pernas de dentro
Indo embora
Agora

Cinco
Será que
em algum
continente
ela ainda vai
me amar?

Sono
Sonhei com você e acordei chorando.
Não te liguei,
passei a manhã pensando.
E me deu preguiça de ficar triste.

Pressa
Tanta coisa te interessa.
Mas eu, nem tanto assim.
Fim.

Isca
Ainda tento
te pescar.

Palco
Vazio.

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

A carta

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
dementes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de ama-me,
que nunca me amaste antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

(Quero, Drummond)
(2004)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Billie, Madeleine and I
I'll look around
Until I've found someone
Who laughs like you
I know somewhere
Spring must fill the air
With sweetness just as rare
As the flower
That you gave me to wear
I look around
And when I've found someone
Who laughs like you
I'll know this love
I'm dreaming of
Won't be the old love
I always knew
(George Cory / Douglass Cross)
Sin amor, no hay nada

É sempre assim e a gente não cansa de tentar. Começa, alegra, entristece, acaba. Tem um monte de sofrimento até acostumar à ausência. Daí vira qualquer coisa, às vezes bem longe, às vezes médio, às vezes perto mas com alguma estranheza. Às vezes, nada.

É sempre assim o amor. E a gente não cansa. Afinal, o que é que sobra? Bom, tem a família, é verdade, as crianças, principalmente. Mas cada um tem o seu caminho. Estamos juntos mas não sempre, mas esse junto de que estou falando. E aí, o que sobra?

Nada.

Por isso que vai, começa, acaba, sofre... e depois a gente começa tudo de novo. Claro que é melhor não acabar. Mas acaba...

E ainda que eu fale todas as línguas e conheça toda a ciência, sem amor, eu não sou nada.

Então vamos lá. Começar tudo de novo...
Valsinha

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra dançar
E então ela se fez bonita com há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
epois o dois deram-se os braços com há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhanca toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz

Chico Buarque e Vinicius de Moraes

sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

O Porvir

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...

Adiamento, Álvaro de Campos