sábado, 11 de agosto de 2007

Meca Clandestina

(...) E, devagarinho, tomou-lhe a mão.
As duas palmas um pouco úmidas, um pouco trêmulas, uniram-se.
A campainha, fora, tocou. Luísa desprendeu a mão, bruscamente.
- É alguém - disse agitada.
Vozes baixas falavam à cancela.
Basílio teve um movimento de ombros contrariado; foi buscar o chapéu.
- Vais-te? - exclamou ela toda desconsolada.
- Pudera! Não posso estar só contigo um momento!
A cancela fechou-se com ruído. Não é ninguém, foi-se - disse Luísa.
Estavam de pé, no meio da sala.
- Não te vás! Basílio!
Os seus olhos profundos tinham uma suplicação doce.

Basílio pousou o chapéu sobre o piano; mordia o bigode um pouco nervoso.
- E para que queres tu estar só comigo? - disse ela. - Que tem que venha gente?

E arrependeu-se logo daquelas palavras.
Mas Basílio, com um movimento brusco, passou-lhe o braço sobre os ombros,

prendeu-lhe a cabeça, e beijou-a na testa, nos olhos, nos cabelos, vorazmente.
Ela soltou-se a tremer, escarlate.
- Perdoa-me - exclamou ele logo, com um ímpeto apaixonado. - Perdoa-me.

Foi sem pensar. Mas é porque te adoro, Luísa!
Tomou-lhe as mãos com domínio, quase com direito.
- Não. Hás de ouvir. Desde o primeiro dia que te tornei a ver estou doido por ti,

como dantes, a mesma coisa. Nunca deixei de me morrer por ti. (...)


(...) e ele quis-lhe ensinar então a verdadeira maneira de beber champanhe.
Talvez ela não soubesse!
- Como é? - perguntou Luísa erguendo o copo.
- Não é com o copo! Horror! Ninguém que se preza bebe champanhe por um copo.

O copo é bom para o Colares...
Tomou um gole de champanhe e num beijo passou-o para a boca dela.

Luísa riu muito, achou "divino"; quis beber mais assim.
Ia-se fazendo vermelha, o olhar luzia-lhe.
Tinham tirado os pratos da cama; e sentada à beira do leito,

os seus pezinhos calçados numa meia cor-de-rosa pendiam,
agitavam-se, enquanto um pouco dobrada sobre si, os cotovelos sobre o regaço,
a cabecinha de lado, tinha em toda a sua pessoa a graça lânguida de uma pomba fatigada.
Basílio achava-a irresistível; quem diria que uma burguesinha podia ter tanto chique,

tanta queda? Ajoelhou-se, tomou-lhe os pezinhos entre as mãos, beijou-lhos;
depois, dizendo muito mal das ligas "tão feias, com fechos de metal",
beijou-lhe respeitosamente os joelhos; e então fez-lhe baixinho um pedido.
Ela corou, sorriu, dizia: "não! não!"
E quando saiu do seu delírio tapou o rosto com as mãos, toda escarlate;
murmurou repreensivamente:
- Oh, Basílio!
Ele torcia o bigode, muito satisfeito. Ensinara-lhe uma sensação nova; tinha-a na mão!
Só às seis horas se desprendeu dos seus braços.
Luísa fez-lhe jurar que havia de pensar nela toda a noite: - Não queria que ele saísse;
tinha ciúme do Grêmio, do ar, de tudo! E já no patamar voltava, beijava-o, louca, repetia:
- E amanhã mais cedo, sim? Para estarmos todo o dia.
- Não vais ver a D. Felicidade?
- Que me importa a D. Felicidade! Não me importa ninguém! Quero-te a ti! Só a ti!
- Ao meio-dia?
- Ao meio-dia!
Quanto lhe pesou à noite a solidão do seu quarto!

Tinha uma impaciência que a impelia a prolongar a excitação da tarde, agitar-se.
Ainda quis ler, mas bem depressa arremessou o livro;
as duas velas acesas sobre o toucador pareciam-lhe lúgubres;
foi ver a noite; estava tépida e serena.
Chamou Juliana (...)

O Primo Basílio, Eça de Queirós

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