sábado, 28 de dezembro de 2002

Ana,



tô aqui na Argentina de novo. Cheguei hoje. Tá um tempinho feio, chuvoso, abafado... Mas a sensaçao de que vou ver minha irma e conhecer minha sobrinha Sofia logo logo faz meus dias serem cheios de sol! Tô bem feliz, apesar de infeliz. Tô bem alegre, apesar de triste. Mas 2003 vai chegar.

No entanto te escrevo por outra razao. Naquele dia conversamos sobre ler, sobre livros... Eu te contei que havia lido em algum lugar uma coisa muito legal sobre ter livros que a gente nao leu na estante, sobre colecionar livros. Algum escritor que fazia uma comparaçao maravilhosa para dizer que quem realmente gosta de livros, e de ler, e de apreciar boa literatura, invariavelmente tem em sua biblioteca livros que nao leu... Bom, milagrosamente achei a tal entrevista na revista Bravo de Setembro (capa Cidade de Deus), que eu tinha deixado na apartamento aqui de Buenos Aires. Que louco ainda estar aqui e eu achá-la, e me lembrar...! Mas, nao adianta, tem coisas que foram escritas especialmente pra nós e, mais dia menos dia, voltam às nossas maos... Fim de ano, sabe, estou bestamente filosófica. Bom, mas chega de blá blá blá, aí vai o que precisa ser lido:



Você já leu tudo isso?

A questao só ocorre a amadores, pois o bibliófilo jamais

permite que certos livros sejam profanados pela leitura


Para quem possui qualquer estante com mais de 12 livros, a pergunta é tao comum quanto o ar, tao universal quanto o tempo e tao inevitável quanto a morte - e nem mesmo Anatole France (escritor francês, Nobel de Literatura em 21) escapou de sua repetiçao impertinente quando um amigo que o visitava resolveu adimirar sua biblioteca. "E você já leu tudo isso, Monsieur France?" - perguntou-lhe o amigo -, como costuma ser, miseravelmente, a praxe unânime. "Nem um décimo", respondeu Anatole France. E completou : "suponho que você nao use sua porcelana Sèvres todo dia".

A comparaçao pode sugerir pelo menos quatro conclusoes prováveis: a de que a sabedoria é uma questao de elegância; a de que a propriedade nao implica o usufruto; a de que a utilidade é um valor vazio e a de que a leitura é um privilégio delicado. Comprar livros para serem lidos é um hábito exclusivo dos que nao sabem ler.

Um livro, afinal, nao é um manual de instruçoes: no pior dos casos, é um fetiche; no melhor, uma presença. (...)




O texto continua - longo - e fala, na verdade, do ato e da paixao por colecionar - sobretudo livros. O autor do texto, Sérgio Augusto de Andrade, cita uma obra de Waltercio Caldas, O Colecionador. E o mais louco de tudo é que existe um livro com esse mesmo nome que faz parte da trilogia que Marilia quer montar no teatro. Ela tem falado tanto desse livro, mas tanto! Acabou de reler. Manoela tá lendo. E eu jamais teria me dado conta de que já estive tao perto dessa história se nao tivesse reencontrado este texto da Bravo... Serendipity. Onde será que tudo isso nos leva? Bom, se for a uma biblioteca de colecionador, cheia de livros nao lidos, já me basta. Se for pro palco também, melhor ainda. Presente.



um beijo guardado dentro de um livro antigo,

J.

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