quarta-feira, 14 de agosto de 2002

Dando início à série "Cartas que escrevi um dia para quem mais amei"

E ainda amo




Quarta, 6 de Setembro de 1995.



Eu gostaria de começar esta carta dizendo "Meu amor...", mas pode não pegar bem e o que eu menos quero é que as coisas não peguem bem. No entanto, é tão pouco começar de qualquer outra maneira que acho que prefiro correr o risco.



"Somos apenas o amálgama de experiências que tivemos.

Assim, quem não assumir riscos, talvez não seja nada."




Meu amor, descobri que a minha diretora de teatro é muito craque mesmo! Hoje ela deu uma aula pra gente. Foi sensacional. Eu fiquei babando. Pena que não chegou na minha parte e tive que passar o ensaio inteiro ouvindo os outros, mas até que já "aprendi a aprender" com isso. Que bonito.

Uma hora, vinte e nove minutos. Você está no meio da viagem, certo? Certo. Trocando altas fofocas com os seus amigos queridos, inclusive a história da minha supervisora ter roubado o namorado do amigo? Ou você está dormindo e sonhando comigo para compartilhar um pouco dessa saudade inevitável que não me dá cinco minutos de trégua?



"Os aliados superam todas as expectativas

e o inimigo começa a perder a esperança de vencer essa guerra sem fim."




Recebi uma carta muito legal hoje. É de um amigo que foi morar em Floripa, um cara bem especial. Não para mim em particular, mas como pessoa. A história dele é bem incrível. Ele é de uma família super pobre. Perdeu a mãe numa situação péssima. Acho que por não ter dinheiro para comprar o remédio que ela precisava. Teve mil e um problemas com os irmãos que eram meio difíceis de querer ajudar uns aos outros. Aí, um dia, ele quis sair da escola pública em que estudava e foi no Santo Américo pedir uma bolsa. Conseguiu. Estudou lá desde a 8ª série. Fez o "Encontro de Jovens com Cristo" do Colégio. Formou-se. Adquiriu um jeito todo próprio de falar, com expressão e atitude na voz, palavras muito cultas e bem pronunciadas. Apaixonou-se por Deus. Resolveu ser padre. Foi passar um ano em Curitiba, com os Legionários de Cristo. Percebeu que não tinha Vocação. Voltou. Foi para Ubatuba com a gente no ano novo e tomou o primeiro porre, e acho que único, da vida dele. E mesmo bêbado, continuava com o seu jeito particular de falar... Foi tão engraçado. Bom, aí ele prestou vestibular. Entrou na PUC: Direito. Adorava. No final do ano passado terminou o segundo ano do curso e resolveu mudar. Mudar de faculdade, mudar de cidade, mudar de vida. De amigos, não! Mudar de amigos nunca! Como ele mesmo diz. Apenas acrescentá-los. Acrescentar experiências, cultura, ampliar a visão tão curta que a gente tem da vida e das pessoas. E lá se foi ele para Florianópolis. Sem medo de perder o que deixava aqui. Porque ele tem certeza de que não vai perder o que já tem. Como seria bom se todos nós tivéssemos essa certeza... E agora ele está lá, e acabei de receber notícias. Ele fez um folhetinho contando das férias, da nova faculdade, de como vai a vida por lá, e deve ter mandado para algumas pessoas queridas. Entre elas, eu. O que me deixou imensamente feliz, porque apesar de não sermos grandes amigos, adoro ouvir as histórias dele. E a carta termina assim:



"Por ocasião de uma visita a uma família maravilhosa, recebi de um amigo um presente que me fez mudar de atitude, ou melhor, tomar uma atitude diante da vida. Trata-se de um marcador de páginas com a foto de uma estrada, que segue para não se sabe onde após virar a curva. Junto havia um texto com o qual gostaria de finalizar minha carta:



Caminhante

são tuas pegadas

o caminho e nada mais.

Caminhante,

não há caminho,

se faz o caminho ao andar.



Ao andar se faz o caminho

e ao voltar os olhos para trás

se vê a senda

que nunca

se há de voltar

a pisar.



Atrás do cartão meu amigo ainda acrescentou: 'Querido Richard, não tenha medo de caminhar!'. Não tenhamos medo de caminhar, e o mais importante, jamais tenhamos medo de trilhar nosso caminho, novo, onde ninguém tenha posto os pés e que nos está reservado desde toda a eternidade."




Isso me toca profundamente porque, às vezes, tenho muito a sensação de que devo caminhar para algum lugar. Um lugar que não sei bem onde é, mas que não é aqui. E não vou. Será que nunca vou? Talvez eu tivesse que ter nascido em outro lugar, em outra situação, para poder sair caminhando por aí. Eu sei o quanto é maravilhoso ter uma família, um teto, conforto, segurança. Mas, talvez, sem conhecer tudo isso eu tivesse a coragem de sair por aí, de tomar uma atitude diante da vida que está passando. Eu seria livre. Tenho sentido tanta necessidade de liberdade. Tenho me convencido tanto de que sei tão pouco. E o pouco que sei a respeito da felicidade, da minha felicidade, já basta para ver que não é possível sem liberdade. Eu queria ser livre para caminhar. Caminhar com você, que é o que me importa, me conforta, me completa. Não quero arriscar se me sentirei assim para sempre, mas se nos perdermos por aí antes de termos sido livres, jamais saberemos com certeza se tinha mesmo que acabar, ou se poderia ter sido eterno...



A visão dessa estrada que segue para não se sabe onde após virar a curva, me parece maravilhosa. Será que a gente consegue viver com essa visão? Talvez nos ajude a ter um motivo mais forte para não desistir de nada, por mais impossível que possa parecer. Porque sempre haverá a possibilidade de existir na virada da curva uma árvore sob a qual possamos sentar e, finalmente, entender o sentido da vida.



"Não saber para onde vamos é o destino da humanidade.

Algumas vezes o homem pensa que sabe. Mas, em geral, erra."




Quinta-feira. Madrugada.

Quatro horas e dois minutos.

Nenhum sono. Muita saudade.




Infelizmente nos perdemos antes...





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