quarta-feira, 3 de julho de 2002

My life as a dog

Quer dizer que você de vez em quando vem mesmo aqui para saber da menina... e de mim.

Que contente. Que surpreendente. E que interessante.

Tanto que me dá hoje uma vontade de largar a terceira pessoa e ficar em mim mesma,

um pouco fora do espelho, com a luz acesa e a alma mais clara. Mais c...alma.



Eu tenho andado... distraída.

E você?



Todo mundo voltou de viagem, já não estou tão sozinha.

Em teoria.

E você?



Como vai Clarice? Fernando?

Essa gente que nos completa?

De mim um pouco distantes.

Como Deus. Que sempre vem, eu sei, e você sabe,

mas que nem sempre nos encontra.

Que bom que Ele não desiste.

E nós? Desistimos?



Não, não jure.

Jurar é pecado.

Você já leu Pollyana?



Já é de manhã e eu não escrevo um conto há muito tempo.

E você?



Eu queria mais do que isso.

E você?



Alguma vez você já sentiu como se tivessem arrancado os seus nervos para fora da pele?

Pois assim somos nós... À flor da pele.

Não?



É tudo como uma raiz pregada aos nossos pés...

E todos os dias pode ser a gota d'água...



Você sabe nadar?








...



Eu deveria ter contado tudo a ela. Mamãe adora histórias. Não é tão ruim quando se pensa. Poderia ter sido pior. Pense em como acabou aquele rapaz que foi a Boston implantar um rim novo. Ficou famoso nas notícias mas acabou morrendo. Penso na Laika, a cadelinha espacial. Foi colocada dentro do Sputinik e enviada ao espaço. Ligaram fios no coração e no cérebro dela para observar seu estado. Não creio que ela se sentia bem. Girou lá em cima cinco meses até a comida dela acabar. Morreu de fome. É importante ter coisas assim para comparar. Penso naquela mulher que foi a Etiópia como missionária. Ela foi morta a pauladas no meio do sermão. Precisa-se sempre comparar. Penso no cara que foi ao cinema ver o filme "Tarzan na lagoa". Depois pendurou-se num fio de alta tensão e morreu na hora. Nunca se deve bancar o Tarzan. Eu deveria ter contado tudo enquanto ela tinha saúde. Histórias da vida. Mamãe gostava delas. Fazia coleção. É preciso ter alguma coisa para contar a ela. Gosto muito quando ela ri porque aí esquece os livros. Ela lê demais. Esse é o problema. É bom... faz com que pense em outras coisas. Acho que amo a Sickan tanto quanto a mamãe. Mamãe era fotógrafa, antes de adoecer. Tinha um atelier. Teve que parar. Poderia ter sido pior. É importante lembrar isso. Lembro-me do desastre sobre o qual li. Um trem chocou-se com um ônibus em Chyeksbo. Seis pessoas morreram, catorze ficaram feridas. Deve-se comparar. É preciso ter cuidado com os ônibus. Eu poderia estar naquele. Me dá pena quando penso na pobre cadela Laika. Maldade mandarem a coitada na astronave... sem comida o bastante. Ela teve de servir ao progresso do homem. Não pediu para ir. Eu deveria ter contato tudo a ela... enquanto ela gozava de boa saúde. Ela tem bom senso de humor. Sobre o cabelo verde do Manne, e a cuia voadora que o pai dele fez. Do Fransson no telhado e dos malucos daqui. Ela teria rido muito. Garanto. Realmente tenho tido sorte, comparado aos outros. É preciso comparar para sentir a distância entre as coisas, como a Laika. Ela deve ter visto as coisas em perspectivas. É importante manter certa distância. Penso no cara que tentou um recorde mundial saltando sobre ônibus numa motocicleta. Ele alinhou trinta e um ônibus. Tivesse deixado por trinta, ainda estaria vivo. Imagine, não bateu o recorde do mundo por um ônibus. O último. Bateu com a roda traseira nele. Penso naquele sujeito que atravessou o campo da praça de esportes. Um dardo atravessou o peito dele. Atravessou o peito dele. Ele deve ter ficado muito surpreso. É estranho como não consigo deixar de pensar na Laika. Eu não devia pensar tanto! O tempo cura as feridas, como diria a Sra Arvidsson. Ela diz muita coisa sábia. Aconselha a gente a esquecer. É importante comparar. Pense numa cachorra como a Laika. Eles sabiam desde o começo que ela não voltaria viva. Sabiam que ela ia morrer. Eles simplesmente a mataram.



Do filme Minha Vida de Cachorro

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