terça-feira, 9 de julho de 2002

Diário de Bordo II - Que lugar lindo!

Campos do Jordão, 6 de julho de 2002 - Sábado

Passei o dia com esta frase, daquela música, na cabeça: I know it sounds funny but I just can't stand the pain... Não sei por quê. Ela veio enquanto eu andava com a mamãe ali pela horta. E que lugar lindo, Meu Deus!! É bem mais bonito do que a fazenda antiga! Agora de dia que deu pra ver. A casa é bem no topo da montanha. Um pouco ali pra baixo tem o riachinho. Já construíram uma pontezinha e um monjolo - aquela coisa que fica rodando com a queda da água, que vira queda por uma canaleta de tronco. E ali tem um bosque enorme, lindo, e vai construir uma churrasqueira, umas mesinhas e banquinhos, vai ficar tudo!! Pena que é tão longe. Pena que eu não tenho mais alguém que ame e que me inspire alegria em pensar em voltar aqui com a pessoa...

Maria Fumaça
Hoje pensei tanto em você. Lembrei do quanto você gosta do sítio e do quanto iria adorar esse lugar... A gente ia andar tanto por aí - eu juro que ia! Juro que ia ser diferente! A gente ia escalar montanha, ia até a represa, ia andar a cavalo, ia brincar com os cachorros.. Igual a gente brincava com o Iupi!! Ai, que saudade, até choro, olha aí. A gente ia apostar corrida - se o meu pé estivesse bom e o seu joelho também... Ai, que saudade de tudo. Tantos pôr de sóis perdidos, tantas manhãs idiotas e sem razão, tantos almoços, jantares, vinhos, fondues... sem gosto, sem sabor, sem som. Tantos céus estrelados sem brilho. Tantas luas tristes. A verdade que eu ainda te amo. Ainda te queria aqui comigo. Ainda queria dividir tudo com você. Nunca mais a minha vida foi feliz. Se um dia Deus me desse o direito de fazer um pedido, UM, entre tudo nesse mundo eu pediria pra você voltar a me amar. Só me resta acreditar em milagres. Ou que você me ame de novo, ou que eu esqueça como era feliz ao seu lado e aprenda a ter essa alegria de novo seja lá como for, mas sem você. Confesso que já tive alegrias depois de tudo... Mas a nossa vida era especial demais. Silêncio. Não, daqui não se ouve a Maria Fumaça. Mas tenho certeza de que você ainda escuta o apito que quer dizer EU TE AMO.


Ai, deixa eu voltar pra realidade. Triste.

E foi assim o dia hoje. Essa coisa fazenda. Andamos um pouco, mamãe, Pipa e eu. Depois levamos a vovó de carro até ali embaixo pra ver o que estão construindo no riachinho. A Daysi colheu uns copos de leite e fez aqui um arranjo. Eu virei o pé, lógico, e tá doendo. Meu pai só limpou, arrumou, consertou. Ele me perdoe mas tornou-se insuportável. A gente tem de estar alerta a cada segundo porque se tiver uma migalha ele se levanta e pega o aspirador. Hoje foi ligado no mínimo dez vezes. E olha, a casa não tem tamanho para isso! Não se sentou um instante! Não se pode relaxar nenhum momento... "Porque você, Joana, é um inferno!!"

Ex-Libris
"Quando eu tinha onze e meu irmão treze anos, nossos pais nos levaram à Europa. No Hotel d'Anglaterre, em Copenhague, como havia sempre feito todas as noites desde que fora alfabetizado, Kim deixou um livro aberto e virado para baixo sobre a mesa de cabeceira. Na tarde seguinte, ele retornou e encontrou o livro fechado, um pedaço de papel inserido para marcar a página e o seguinte bilhete, assinado pela camareira, repousando sobre a capa:

SENHOR, NUNCA FAÇA ISSO A UM LIVRO.

Meu irmão ficou estarrecido. Como podia ter acontecido que ele - um leitor tão dedicado que levava escondidos um livro e uma lanterna para baixo das cobertas, no colégio interno, toda noite após as luzes serem apagadas, um crime punível com palmadas aplicadas com remo de madeira - tivesse sido rotulado como alguém que não amava os livros? Compartilhei de sua mortificação. Não conseguia imaginar uma família mais bibliólatra do que os Fadiman. (...) Durante os trinta anos seguintes, vim a me dar conta de que, da mesma forma como existe mais de uma maneira de se amar uma pessoa, há mais de uma também de se amar um livro. A camareira acreditava no amor cortês. O ser físico de um livro era sacrosanto para ela, sua forma inseparável do conteúdo; seu dever como amante era a adoração platônica, uma tentativa nobre, mas condenada ao fracasso, de conservar para sempre o estado de castidade perfeita no qual havia deixado a livraria. A família Fadiman acreditava no amor carnal. Para nós, as palavras de um livro eram sagradas, mas o papel, o tecido, o papelão, a cola, a linha e a tinta que se continham eram um mero receptáculo, e não significava nenhum sacrilégio tratá-los de qualquer forma, como ditassem o desejo e o pragmatismo. A rispidez no uso não era um sinal de desrespeito, mas de intimidade."

Do livro Ex-Libris, Confissões de uma leitora comum, de Anne Fadiman


Acabou mais um dia.
Como serão os próximos?
Um de cada vez...
Um de cada vez.
Boa noite.

1h54, domingo

PS: Tem um chocolatinho?
Lembrei da minha tia, linda, amada, melhor pessoa do mundo... e que saudade, que falta ela faz! Na verdade, lembro sempre. Mas de vez em quando não seguro o choro, que é também de alegria por tudo o que ela nos deu. Por todas as lembranças maravilhosas que ela nos deixou. Eu te amo, Didi, com tudo o que eu tenho de melhor. E sinto sua ausência com muita dor, mas sei que você está bem aí com o Marcos e o tio Dinho. E eu aqui, te honro. Converso com todos os programas da TV. E se quem enche, tem lugar garantido: vai andar, vai!! Eu te amo. Vem me visitar qualquer hora. De novo. Um beijo.

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