segunda-feira, 15 de julho de 2002

Metade

Osvaldo Montenegro



Que a força do medo que tenho,

Não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo que acredito,

Não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,

Mas a outra metade é silêncio.



Que a música que eu ouço ao longe seja linda,

Ainda que triste.

Que a mulher que eu amo seja sempre amada,

Mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,

E a outra metade é saudade.



Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas

Como uma prece, nem repetidas com fervor.

Apenas sejam respeitadas

Como a única coisa que resta a um homem

Inundado de sentimento.

Porque metade de mim é o que eu ouço,

Mas a outra metade é o que eu calo.



Que essa minha vontade de ir embora

Se transforme na calma e na paz que eu mereço.

Que essa tensão que me corrói por dentro,

Seja uma dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso

E a outra metade é um vulcão.



Que o medo da solidão se afaste,

Que o convívio comigo mesmo

Se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso

Que eu me lembro de ter dado na infância.

Porque metade de mim é a lembrança do que eu fui,

E a outra metade eu não sei...



Que não seja preciso mais

Do que uma simples alegria

Para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio me fale cada vez mais.

Porque metade de mim é abrigo,

Mas a outra metade é cansaço.



Que a arte nos aponte uma resposta,

Mesmo que ela não saiba,

E que ninguém a tente complicar,

Porque é preciso simplicidade

Para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é a platéia

E a outra metade, a canção.



E que minha loucura seja perdoada.

Porque metade de mim é amor

E a outra metade...também!





É você que eu amo.

É você que seu sempre amei.

É você que é a metade de mim que foi embora, e a outra metade morri.

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