quinta-feira, 16 de janeiro de 2003

Temos



Li na Nanda e me lembrei de tanto ter lido e ler: Clarice.

E de tanto ser o que sempre me lembro de ter lido, e ler, Clarice.



(...) Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregues a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. (...) Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida mais possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indeferença é angústia disfarçada.

Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. (...)

Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.

Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, Clarice Lispector




Nenhum comentário: