quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003

Como está o seu coração?

Minha amiga me perguntou:

E você? Como está o seu coração?



Pois sabe que eu não sei.

Fiz uma rápida retrospectiva da minha vida e estou aqui pensando que já passei por tantas fases do coração... Mas esta, em que estou agora, não sei bem o que é. Não é ruim. Nem tão boa. Mas não sei o que é.



Sempre amei muito, mas de formas diferentes em cada momento da vida. Tá certo que as sensações - e as consequências - são sempre parecidas, mas existe qualquer coisa de particular em cada amor, em cada pessoa amada. E falo de amores vários, com ou sem desejo, com mais ou menos amizade, com muito ou pouco envolvimento, feliz ou infeliz, correspondido ou não.



Quando eu era pequena amava as minhas irmãs, meu irmão, meus primos, os amigos deles, todos mais velhos do que eu: amava com admiração, com carência, com uma necessidade de ser a irmã menor, a prima menor, a pequena notável, o centro das atenções. Mesmo sem ter muita consciência, acho que era assim que eu amava e desejava ser amada. E amava meus pais com mais carência ainda. Principalmente minha mãe, tão presente e tão ausente. Sempre amei minha família desse jeito, com necessidade deles. E quando digo família, é a grande família mesmo... inclui tios, primos-irmãos, primos segundos, terceiros, amigos-dos-pais-quase-tios e amigos-dos-irmãos-quase-primos. Este amor é o primeiro de que me lembro, pela minha família. Claro que ele existe até hoje, mas se transformou e isso é claro. Em alguns casos amadureci o amor, em outros esqueci, sei lá, desamei. E esse amor simplesmente está em mim, sem pensar, sem muito questionamento. Não, mentira. Tem questionamento, sim. Mas esse amor é, e ponto.



Comecei a entender que existe um amor com desejo, com vontade de beijar e estar mais junto quando eu tinha uns 7, 8 anos, eu acho. Nessa idade em que a gente entra no primário e abre os horizontes pela primeira vez. Fizemos uma viagem pra África do Sul e de repente eu me sentia apaixonada por aquele menino, filho de não-sei-quem, irmão de não-sei-quem, cuja família foi parar no nosso grupo de viagem porque o casal era amigo-dos-amigos-dos-primos-de-alguém, dos-meus-pais, dos-meus-tios... Pouco importava. Ele estava lá e eu o amava. Um bando de gente grande, e nós, só nós dois. E eu amava. Eu queria sentar perto dele, queria segurar a mão dele, queria beijá-lo na boca. A gente se escondia atrás das coisas, entrava no túnel do parquinho do hotel, se beijava com um medo - achava que aquilo era beijo! A gente se olhava, eu me lembro. Era um amor. De criança, sem grandes entendimentos, mas um amor tão bom. Não me lembro se senti saudades dele quando a viagem acabou, mas tenho quase certeza que sim.



Na escola eu também amei muito. Não sei se amava todos os garotos que mandavam cartinhas de "quer namorar comigo?" com dois quadradinhos pra gente fazer um "X". Quadradinho SIM e quadradinho NÃO. Muitos desses eu não amava. NÃO. Mas outros, talvez. Pelo menos gostar, eu gostava, porque namorava com eles um pouco. SIM. Depois cansava. Eu era meio independente nessa fase, sei lá. Batia figurinha tão bem! Todos os meus namorados perdiam de mim e então eu perdia a graça deles! Ai, que engraçado! Pois o mais louco disso tudo é que todos esses meninos, que eu me lembro de ter amado de alguma forma durante o primário e o ginásio, se perderam por aí. Não sei de quase nenhum. Um eu sei, coitado, morreu num acidente de helicóptero. Quando eu soube disso pensei no amor de Deus por mim, de ter me poupado de tanto sofrimento se fôssemos namorados. Vai entender! E os outros... os outros são os outros e só. Não tenho a menor idéia de onde foram parar. Ás vezes alguém me fala de algum e me faz achar incrível como o mundo é uma ostra! Mas depois esqueço. Amores esquecidos.



E como amei - e amo! - minha amigas! Tudo sempre tão intenso, tão verdadeiro! A tal da família que a gente escolhe! E como escolhi bem! Minhas amigas são tão importantes na minha vida... E esse amor que tenho por algumas delas é um dos melhores que já fui - e sou! - capaz de sentir. É fiel, é honesto, é companheiro, é leal, é incondicional. E eu que o diga o quanto é incondicional. Porque me amar, com todas as particulares dos meus amores, não é lá a coisa mais fácil do mundo. Também não acho que seja tão difícil, mas precisa ter uma pitada de alguma coisa especial dentro de si - uma bondade, sei lá. E isso, graças a Deus, minhas amigas têm. Um coisa especial. Cada uma, e todas elas. Elas brigam um tanto comigo, me dão bronca. Com razão, na maioria das vezes. Porque eu sou extremista mesmo. Fazer o quê? Ainda bem que elas me amam assim. Extremamente. E assim como brigam, me acolhem, me cuidam. E nesse amor de amigas, sem proporção e perfeito pra mim, incluo UM amigo: o meu amigo-irmão-anjo-da-guarda-que-Deus-me-deu-por-muita-generosidade. O meu extremo amor pra você. Extremo, extremo. Meu equilíbrio, meu deus na terra, senhor PotatoHead.



E então amei um homem. E o amei durante tantos e todos os anos da minha adolescência. Por preguiça e por falta de interesse não quero ficar falando muito disso agora. Não tem mágoa nem dor nenhuma. É preguiça mesmo. Que horror. Mas é. Foi um amor bem importante. O mais importante não fosse o que veio depois. Mas passou. Sei lá. Foi um BAITA de um amor, preciso dizer. Mas acho que no fundo era tão solitário que agora é isso, me dá preguiça. Amizade sempre teve muita. Até demais. Talvez só. Bom, eu achava que só. Mas quando ele resolveu me mostrar que não, que não era só um monte de amizade adolescente, eu fiz "X" no outro quadradinho. NÃO. Foi triste me dar conta de que não queria mais o grande sonho da minha vida, o cara que eu tinha amado durante quase dez anos... Sempre acreditei tanto naquilo... Sempre esperei chegar "o tal do dia de a gente ficar junto", mas... Não. Não quero mais. Pelo menos por enquanto, não.



Morei fora e amei demais também. Amei várias línguas, várias nacionalidades, vários países, várias culturas, vários. Vários, mas bons. :) Intercâmbio é pra isso mesmo, não é... Ah, como a gente ama quando mora fora e tem 18 anos! Ama loucamente. Ama cada dia um! Beija tanto! E muitos, muitos dias, muita coisa nova. E depois pronto. Porque como dizem meus amigos argentinos, espanhóis, mexicanos, panamenhos... "Amor de lejos, amor de pentejos". Quer dizer: amor à distância é roubada. Também já amei à distância. Mas é muita saudade pro meu coração aguentar. Não quero não. O intercâmbio de amor ficou por lá.



E então amei meu grande amor. Com tudo. Tudo o que um grande amor deve, e precisa, ter. E então eu entendi o que é amar, e vivi REALMENTE um grande, grande, imenso, gigantesco, sublime e abençoado amor. Antes eu só achava que era. Quer dizer, era, mas não era. Porque não era recíproco daquele jeito maravilhoso que é quando é. Exatamente isso. Quando é, a gente sente uma coisa tão maior do que a gente, que aí a gente pensa: Meu Deus! Então é isso! Isso! Porque tudo aquilo que você sente e dá, volta puro, e volta tão lindo, tão único, tão extraordinariamente bom! É um espelho tão nítido, um reflexo tão feliz! Eu não vou tentar dizer aqui o que é. Esse amor é o que eu não sei dizer. O que eu tento tanto, com tantas palavras, mas não sei dizer. É o amor que me melhorou, me iluminou, me completou. Que me deu vontades, que me mostrou caminhos, que me fez mais nobre, mais rica, mais sábia até. Esse é o amor que me amou. Que me fez sentir o que faz valer a vida, que durou anos e cada dia do ano, e cada hora e cada minuto. O amor que me fazia ter sol todos os dias, que só chovia quando estava longe, que trovoava mas só porque era amor demais. E então eu realmente amei e tive a sorte de ser amada igual. The greatest thing you'll ever learn is just to love and be loved in return. E meu coração ia bem. Tão bem. Melhor do que nunca tinha estado. Melhor do que tudo. Mais do que tudo. Com uma alegria que eu nunca imaginei antes que pudesse existir. Eu lembro que pedia a Deus pra me fazer feliz, mas eu não sabia que aquela felicidade era possível. E foi um amor que eu nunca vou saber se acabou, se devia ter acabado, se não tem volta. Não, mentira. Se tiver volta eu saberei. Porque, no fundo, alguma coisa em mim vai sempre esperar pra saber. E obrigada - seja lá pra quem eu deva agradecer, a você, ou a Deus, ou quem sabe? - obrigada por eu ter tido esse amor maravilhoso que me ajudou a ter os melhores anos da minha vida. Obrigada, meu amor.



E, por TUDO isso, eu não sei.

Não sei como está o meu coração.

Porque ele está feliz, mas sabe que poderia estar mais.

Ele sabe COMO É estar mais, estar tudo. Ele sabe, ué.

Ao mesmo tempo está conformado, curado, tranquilo.

E então não sei... não sei... não sei.

Nem sei se estou amando de novo, assim, ou não-assim.

O meu coração está batendo, é tudo o que eu sei.

Eu ouço ele aqui e vou vivendo.

Eu ouço o meu coração.

Ouviu?



Fim do discurso.

Cai o pano.

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