terça-feira, 24 de junho de 2003

Desabafo, ainda que tardio

Ai, tô tão cansada... Cansada mesmo, por dentro. Já não é de hoje que eu não quero mais brincar. Mas fico tentando, tentando. Agora tô me cansando de tentar. Não quero mais. Cansei. Cansei do inferno que é ser filha do meu pai. Cansei de ele ser tão legal mas infernizar a minha vida com regras e exigências. Eu não quero tomar conta de nenhum negócio, eu não me importo em ter milhões no banco, eu não quero, não quero! O que é que eu faria se não tivesse uma casa, comida, carro, roupa lavada? Sei lá, pai, eu ia me virar... Chega de me perguntar isso como se eu tivesse culpa de ter nascido nessa família. Eu cansei desse papo! O senhor cansou também? Cansou da bagunça do meu quarto? (Veja bem, eu tenho quase 30 anos!) Cansou de eu acordar às 9h e não às 6h? Cansou dos meus horários, da minha ausência? Ótimo, então tome uma atitude. Me mande andar, mas chega de me encher, pelo amor de Deus! Ah, que Deus, né...você nem acredita... Mas, na boa, eu não agüento mais! Não quero mais vir pra esse escritório só pra te agradar. Porque isso não significa nada pra mim. Não é assim que eu te agrado e que eu reconheço tudo o que você faz por mim - mas, diga-se de passagem, eu nunca pedi... foi você que quis ter filhos... - Eu te agrado e te demonstro isso de tantos outros jeitos... Mas nunca basta! É insuportável viver assim! A gente precisa calcular cada passo, catar cada migalha do chão... Eu cansei de ficar evitando te encontrar sozinho porque já sei que vem cobrança, reclamação, blá, blá, blá... Chega, juro! Já não bastasse todas as minhas frustrações que preciso administrar...Já não bastasse a falta de quem eu amo, que acarreta na falta de vontades, de planos, de tudo, ainda preciso viver nessa angústia com quem deveria ser meu porto-seguro, minha família, meus maiores amigos. Eu vou enlouquecer, vou explodir, sei lá pra onde eu vou. Mas desse jeito não agüento mais! Passei dessa fase, está na hora de vocês notarem. Trabalhei igual uma louca desde sempre. E a vida inteira tive de ouvir reclamações por causa disso. Agora resolveram me infernizar por qualquer outra coisa. Vocês vão me infernizar sempre, eu já entendi! Nada do que se faz está bom! Nada vale nada! Só vale acordar de manhã pra ir fazer dinheiro nesse "império" que você construiu! Mas não me interessa, será que dá pra entender? Se é esse o preço pra estar bem com vocês e merecer esse teto, esse carro, esses finais de semana e seja mais o que for que seu dinheiro pode pagar, então não quero! Eu não preciso de luxos, me perdoe. Mas EU NÃO PRECISO! Me deixa em paz um pouco. Olhe um pouco com bons olhos todo o meu esforço na direção de tantas outras coisas... Sei lá. faz alguma coisa que não seja me cobrar, cobrar, cobrar... Eu quero ir embora daqui, quero tirar esse peso das minhas costas. Porque é um peso, sim. Foi um peso a vida inteira. E a vida inteira eu tentei driblar isso e achar um caminho de paz. Mas não existe. Simplesmente não existe e essa conclusão absoluta me aterroriza. Porque agora não tem mais o que fazer. É isso. Tá aí escancarado. O que eu vou fazer, não sei. Provavelmente nada do que eu gostaria. Porque eu realmente gostaria de sumir, ir embora, talvez não voltar. E infelizmente amo demais a minha família para ter essa coragem. Mas que eu preciso fazer alguma coisa, isso é certo. Tem um piano em cima de mim cada vez que vou chegar em casa... E outro piano cada vez que penso que posso chegar lá e encontrar o meu quarto destruído. Destruído pela sua intolerância. Destruído por esse perfeccionismo doentio seu. Coisas de que, definitivamente, eu não tenho culpa. É por essas e outras que não quero mais ter filhos. Não posso correr o risco de fazer igual com eles. E também não preciso ter esse poder sobre ninguém. Só espero que exista mesmo um Deus que um dia te mostre o peso - apesar de todas as coisas boas - o peso enorme que você me fez sentir a vida inteira.


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