terça-feira, 15 de abril de 2003

Era uma vez...

Os Quatro Filhos vão nascer. Eu resolvi escrever um livro. Mas vai demorar quatro anos para ficar pronto. Para quem não quer mais fazer nada a longo prazo me parece razoável. Para quê, nem sei. Talvez porque vou morrer depois disso. Sem drama. Tranqüila.

Quem resolveu que viveríamos vidas separadas não fui eu. Por isso, sim, você tem a obrigação de estar bem. Você não tem o direito de ME fazer sofrer por TE ver infeliz. Eu sei que não te vejo. Estou só divagando sobre o nada que tenho aqui em mim. Mas se um dia nos encontrarmos, por favor, esteja feliz. Não seria justo comigo de outra forma. (Como se existisse justiça no mundo).

Eu resolvi que não me quero mais assim. Quero ser outra. Mas vou demorar quatro anos para ficar pronta. Se não morrer antes. O que também não seria ruim. Tanto faz. Sem drama. Estou tranqüila.

Era uma vez uma menina, meu Deus!

Respondi que gostaria mesmo era de poder um dia afinal escrever uma história que começasse assim: "era uma vez...". Para crianças? perguntaram. Não, para adultos mesmo, respondi já distraída, ocupada em me lembrar de minhas primeiras histórias aos sete anos, todas começando com "era uma vez"; eu as enviava para a página infantil das quintas-feiras do jornal de Recife, e nenhuma, mas nenhuma, foi jamais publicada. E era fácil de ver por quê. Nenhuma contava propriamente uma história com os fatos necessários a uma história. Eu lia as que eles publicavam, e todas relatavam um acontecimento. Mas se eles eram teimosos, eu também.

Mas desde então eu havia mudado tanto, quem sabe eu agora já estava pronta para o verdadeiro "era uma vez". Perguntei-me em seguida: e por que não começo? agora mesmo? Seria simples, senti eu.

E comecei. Ao ter escrito a primeira frase, vi imediatamente que ainda me era impossível. Eu havia escrito:

"Era uma vez um pássaro, meu Deus".

Era uma vez, Clarice Lispector


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