sábado, 13 de dezembro de 2008

A espera

Era uma senhora elegante. Estava sentada na poltrona do café e me olhou assim que entrei. Baixa e gorducha. De pernas grossas e quadril largo. Como todas essas senhoras desse tipo. Cabelos curtos e brancos. Com um brilho particular - ela e os cabelos, visivelmente arrumados num cabeleireiro chique. Mas chique mesmo, na medida. Ela não era, nem por um detalhe, exagerada. Nada daquelas libanesas descabidas que jogam tranca no salão de jogos do meu clube. Era simples até, de tão sóbria e elegante, apesar do laquê. E sorria. Sorria para mim, vi logo. Eu não a conhecia, mas ela sorria para mim antes mesmo de eu cruzar a porta de entrada. Pedi um expresso americano doppio, na xícara grande que eu prefiro, uma garrafa de água sem gás, e me sentei. No mesmo instante, ela, xícara - grande também - nas mãos, se sentava ao meu lado. Não a vi levantar, não a vi caminhar, não a vi ir se chegando: ela brotou, de um segundo para o outro, ao meu lado. - Como vai? - Vou bem, e a senhora? - Poderia estar melhor, ela disse com um meio sorriso. Eu ri. - Eu também, respondi. - Eu sei, disse ela. Levantei as sobrancelhas em interrogação, sem saber exatamente se queria continuar aquela conversa. Sou de conversa, sim, e muito, mas nem sempre me agradam pessoas estranhas que tentam dizer soluções para a minha vida incerta. Ou que acham que sabem de mim sem me conhecer. Também não sou daquelas que se fecham imediatamente. E ali existia uma estranheza que ao mesmo tempo me afastava mas me atraía. - Sei bem, ela repetiu, enfática no bem. - Por isso é que vim até aqui falar com você. - Como assim a senhora sabe? Ela se acomodou na cadeira, pegou a xícara grande, fez que ia tomar mas desistiu por alguma razão, se ajeitou como se aquela nossa conversa fosse durar anos. Levantou as sobrancelhas exatamente como eu, soltou um som daqueles que fazemos com a garganta para concordar com alguma coisa que não tem jeito, e respirou fundo. - Quando eu tinha a sua idade, começou a dizer sem me olhar, eu esperava. Assim mesmo ela disse "eu esperava" e ponto final. Depois de uma longa pausa, perguntei: esperava o quê? - Esperava, ela disse simplesmente. - Sentava num café, como estamos fazendo agora, e esperava. Ia ao cinema e esperava. Trabalhava - vezes muito, vezes pouco, vezes demais - e esperava. Amava a minha família e esperava. Tinha idéias, planos, amores, dores, e esperava. Estava sempre esperando. - Mas o quê?, eu insisti. - Não sei, ela disse. É por isso que estou aqui até hoje, com a xícara grande na mão, e esperando. Mas agora que você entrou, eu entendi. Eu estava esperando por você. Ela falava de um jeito que eu não conseguia nem interromper, nem achar que ela era louca, nem nada. Eu escutava e mais nada. Eu escutava e ficava esperando o que vinha depois. Eu esperava. Ela então se levantou e a passos curtos e lentos foi andando em direção à porta, saiu e se foi, sem olhar para atrás. A xícara dela ficou. Não pude deixar de notar que não tinha nada dentro. Estava vazia. Vazia e limpa. Nunca teve café ali. A xícara esperava também, pensei, alguém que lhe servisse alguma coisa.

O que aprendemos com isso? Nada.

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