quarta-feira, 27 de maio de 2020

Apareceu um Vinicius no meio da saudade


Ausência

Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter
porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como uma nódoa do passado.

Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram
os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só
como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém
porque poderei partir
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.

(Vinicius de Moraes)

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