segunda-feira, 6 de abril de 2009

aquela que sente

(...)
finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.

FernandoPessoa

estava tão desprevenida. não sabia. embora soubesse que ela vinha. estava completamente despreparada para o toque. e a comunhão. eu não sabia, mas estava tão profundamente desamparada, que aquilo me arrancou os nervos para fora. e fiquei lá, com o nervo exposto, chorando sangue, só. a imagem doce e forte daquela menina - disfarçada de outra - passando as mãos pelo meu rosto, acariciando a tristeza e a dor, ficou ali estampada nos meus olhos e eu não via mais nada. nada, a não ser ela, as mãos e o toque. tão perto. tão dentro. tão junto. o toque. o toque. o toque. e em mim todos os sentimentos do mundo. ali. a luz que vinha não era do fogo, nem da cruz: era ela. mas era outra. a mãe. a filha. aquela que não sabe nada, enquanto eu sinto tudo. me ajoelho no chão e tento me distrair. ou me concentrar. nada me salva. o nervo exposto e o toque me doem como o parto. o parto sem o filho depois. me enforco de ossos e os carrego como um fardo enquanto choro. e choro. e choro noite adentro, corpo adentro, a alma que me resta adentro. me dói o rosto, o coração. me dói o vazio. dentro. me dói o toque. que acaricia, que acolhe, que revela o tamanho do corte. enquanto você se afasta, me agarro ao instante - breve e enorme - de um toque. suas mãos e seu olhar de piedade e amor. e você nem sabe. aquela que não sabe nada. mas eu sei. e choro. no chão. no vazio. nos ossos. no toque.


and pain is all around...

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