quinta-feira, 25 de junho de 2020

MIN

[um cronômetro marcando 3 minutos é disparado e começa a rodar para baixo]

Daqui a três minutos eu vou me jogar do nono andar deste prédio.
Eu poderia dizer que aqui é minha casa, mas é só o lugar onde fico.
Já foi de outros e será de novos outros depois que eu me for.

Eu não tenho nada. Nada dos 45 anos que vivi é meu.
Não tenho nem o controle sobre minhas próprias emoções.
Um dia eu falei para minha terapeuta: essa intensidade de sentir ainda vai me matar.
Mas é isso que te sustenta, ela disse.
[pausa]

[imagem do cronômetro marcando 2:00... 1:59... 1:58]

E agora me resta menos de dois minutos pra escrever esta carta de despedi... [pausa]
De desistência.

Querida mamãe, eu gostaria de ter ido te dar um último abraço, mas os abraços estão proibidos, então... Eu desisti. Eu desisti, mãe.

Meu amor, me desculpa, mas eu não consigo mais evitar. Não consigo evitar o seu sofrimento, nem o meu, nem esse clichê da carta molhada e borrada porque eu mal posso enxergar o que escrevo de tanta água que cai. Eu molho a carta enquanto olho sem enxergar o banheiro, a cama, a sala, o sofá, a cozinha, as lembranças de alguma alegria, todos os sonhos que eu tive quando tinha você aqui. Mas tem um quarto de hóspedes onde nunca ninguém se hospedou. E fica esse vazio embaixo da mesa.

[pausa]

É por isso.
É por causa do vazio.
De você, do vazio, de você do vazio de você.

É porque.

Eu não tenho.

Mais. [o cronômetro marca zero]

[a janela aberta]

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