segunda-feira, 11 de agosto de 2008

TRÊS FORMAS DE AMAR

1.
ela vive me pedindo pra dormir lá com ela. e a noite inteira me encosta o pé, me enrosca a perna, pede carinho, abraço, cafuné. ela faz dengo pra acordar e tenho que ter a maior paciência do mundo. massagem nas costas, nas mãos, no ego. todo dia, se ela não vem, ela espera que eu apareça ou me pede pra esperar por ela. pra conversar, pra comer, ou só pra sentir que eu faço tudo que ela quer. e então ela faz tipo, me seduz, me testa, me provoca. mas também me enche com as suas coisinhas de filha única mimada. todo dia ela me enche um pouco. e aí eu cansei. adoro dormir com ela, adoro as provocações, e adoro ter certeza de que ela morre de vontade de um monte de coisas. eu tenho certeza. e adoro. mas cansei. porque essa forma de amar cansa. ela pensa que eu sou apaixonada por ela. e eu já desisti de dizer que não sou nem um pouco porque a pretenção dela também me cansa. tem 22 anos, mas - como todos nós - pensa que tem muito mais. daqui a uns dias ela vai pro país dela e quando voltar eu não estarei mais aqui. ela entende um tanto de português e aprendeu a falar algumas coisas. a frase favorita é a que eu mais digo pra ela: larga de ser chata! ela repete sem parar. mas nunca larga de ser chata. mesmo assim, acho que vou sentir saudade da chatice dela. e de dormir com ela. do nosso jeito.

2.
ela tem sempre um rabo de cavalo ou um boné na cabeça durante o dia. à noite, o cabelo fica solto. o cabelo é bonito e feio ao mesmo tempo. mas eu prefiro achar bonito. ela tem um jeito de andar só dela. eu gosto. usa umas roupas meio estranhas de vez em quando - pra não dizer horríveis, mas os olhos e o sorriso são lindos. ela está sempre parada, e eu, indo. ela diz buon giorno, ciao, oferece o cardápio, explica o menu, e é uma delícia vê-la trabalhando. um monte de gente come lá só por causa dela. porque ela tem um jeito de te convencer a entrar. é uma simpatia misturada com sedução. as pessoas às vezes almoçam e depois voltam no jantar. e ela está sempre lá. eu vou e venho. ela não vai embora. e, de alguma forma, a gente se namora. eu invento uma desculpa pra passar lá. mudo meu caminho para ela estar sempre no meio. eu digo qualquer coisa, ela responde. eu me sento. ela entra, sai, se esconde. o calor ajuda a ter assunto e ilumina demais os nossos olhos, que se cruzam sem parar. um almoço, outro. um jantar, um café. uma água. de bicicleta, de moto, à pé. a gente sai pra beber alguma coisa, fala da vida, se conhece. no trabalho ela se cala um pouco e às vezes me esquece. comemos pizza com o filho dela, brincamos, rimos. ela tem 27 anos. e pouquíssimos dias comigo. nos amamos assim, com prazo de validade.

3.
ela é uma das pessoas mais doces que eu já conheci. foi amor à primeira vista. fala italiano como se fosse uma criança. ou pelo menos é assim que me soa. talvez porque ela seja uma criança. tem 19 anos, um metro e meio, uns 50 kg no máximo. bambina. mas o sorriso é gigante. e incrivelmente lindo. o sotaque fiorentino me mata de tanto amor. ela pisca os olhos quando manda beijo e me olha de um jeito que eu ainda não entendo bem. é ela que escolhe a mesa pra mim e, se eu peço, me ajuda com o prato sem cerimônia. se está triste, a gente vê logo. e ela explica por quê com uma graça jamais vista, com uma fragilidade que me dá vontade de abraça-lá e não largar até amanhã. eu abraço, mas não podemos nos demorar demais. ela vai, vem, volta. anda pra lá e pra cá o tempo inteiro, enquanto eu espero sentada a comida, a bebida, a pausa. ela passa por mim mil vezes. se eu não digo nada, a gente só se pisca e se agrada com um sorriso de canto de boca. se eu digo, ela ri, e me diz qualquer coisa de volta. ou então só inclina a cabeça pro lado, tão doce, como quem recebe um carinho. às vezes faz o que eu mais adoro: me corrige e me explica com o maior cuidado a regra do italiano para aquela coisa que eu disse errado. ela me ensina um amor delicado. depois sempre faz questão de me lembrar que eu sou bravíssima e que falo a língua muito bem. ela já entendeu que se eu pudesse ficava falando só com ela. e não acha a idéia ruim. ela só não sabe que eu estou prestes a partir. não faz idéia. acho que vai ficar triste. como eu. não tanto quanto eu. vai ser um arrivederci triste, mas doce. como o nosso amor.

Nenhum comentário: